sábado, 20 de novembro de 2010



Caetano dizia e diz assim ainda na minha memória quase já sem
"que quem vê assim pensa que você é muito minha filha
mas na verdade você é bem mais minha mãe."
E ainda agora e já quase um término
de alguém que habita dentro de ti
que já habitou dentro de mim
e tudo era assim
flores e mais flores
que agora permaneço criando, mas no pano.
Belíssima essa estrada de mães e filhas
num aprender
dentro e fora dos ventres livres
para criar e cultivar flores
mesmo de pano,
Dayse Mary 20.11.2010


Não existe final feliz, existem muitos começos sem meio e fim felizes ou infelizes

existe em mim uma sala de exibição

de tanto lugar comum

o que é todo dia sentir um buraco eterno por dentro

sou uma estrada esburacada por séculos a fio

onde passam e me pisam sem dó
e onde faz muito frio

ó pedaço de onde esse quebra cabeça

quem me afastou de mim?

por que me arvoro a escrever coisas banais como um programa de auditório

-vocês querem dinheiro?

sou uma filha do papel vazio

preciso rabiscar para existir

coisas desconexas

de todos os meus sentidos.


Dayse Mary

20.11.2010.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Carinho de bêbado.

Carinho de bêbado não tem dono.Muito menos o coração.Bêbados são vira-latas do amor, com cartela de vacinação vencida e sem coleira.Vagueiam pelas noites remexendo, cheirando e buscando outros corações na imensa lixeira do existir.Mas certas mulheres intensas de vidas febris, jardineiras do afeto,
vão colhendo esses bêbados-lírios no lamaçal dos bares, em meio a ervas daninhas de angustiadas sensações.E pronto:surgem dois infantis corações, flores da noite, que tentam encaixar seus espinhos, se arranham, se beijam em qualquer vão momento.E brevemente, em qualquer viés da emoção pedem uma saideira da purinha ilusão.E outras noites virão , pois carinho e coração de bêbado não teem dono.

Poema em Dilúvio



Meu coração doidivanas,
romântico , imediato,
quer te dizer nesta tarde,
que,pensando em ti
neste momento exato ,
de tão comum e mediano
é muito menos Fidel:
Mais Waldick Soriano!
Meu coração demente,
bipolar,cheio de arquivo,
te rascunhou definitivo.
E de Ventura assim quer Zuenir,
de quimera em quimera,
nesta cidade partida.
Desde sessenta e oito
não apaga esta chama ardente,
e algum tempo depois,
e mais algum tempo atrás
ainda ficou te esperando
naquela praça da paz.
É Veríssimo.
Até dos ditosos Budas
queria a calma absoluta
para te dizer abertamente:
cinquenta e oito não devia ter acabado
pois lá deixei em aberto
tua ternura tão antiga
num disco de João Gilberto.
Desembocada e sem trema
me afogo num triste dilema:
desafino aqui
num dó maior e sem fim
por ti,ó moço bonito
que nem chegou de mim mais perto(só na canção de Jobim).
Tua lembrança é minha droga
que me acalma e satisfaz(ai de mim , que só quero ouvir estrelas!)
Há muito vivo sem prozacs
Por "ora"só te direi
menos chão e mais Bilacs.
E das canções que agora "as oiço"
na vitrola empoeirada
úmido trago um penar
à boca, vazia de teus beijos,destemperada.
Pois , o que me restou:
mil solidões diluidas
em dores,
nunca por ti percebidas.

O coração partido in vitro,
num Armstrong sem gelo
e em de
"la vie en vie e en rose" padeço de ti,
absurdamente
intensa, ó amor, amor, dor feminina, errado artigo!
E teu coração me recolhe, quebradiça , mas em loa
num dizer de Pessoa,
e me varre assim para o canto da tua sala,de estar longe.
A poesia açougueira me retalha e,
presa em ti, minha senzala,permaneço,
pois para ti ainda guardo,"my stranger boy",
minha casa-grande deste infinito querer.
Meu divino, gracioso ser.



Dayse Mary de Andrade

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010




Voltei da rua, comprei pão e remédio de mosquito, na rua só as farmácias abertas como se o brasileiro fosse muito doente, em cada rua mais de 3 farmácias. No Brasil compra-se remédio para qualquer coisa... menos para o abandono que sinto dentro do peito neste domingo à noite, onde compro um pãozinho para o filho que vai estar aqui daqui a pouco, mas não para sempre. Converso com a caixa loura da padaria, falo da solidão da rua... mas a fila anda, ela me despacha rápido me respondendo sem saber bem do quê estou falando. Atravesso a rua, encontro um amigo antigo, mal começo a falar ele se despede atarantado, um beijo rápido e sinto seu corpo deslizando no abraço em movimento do adeus. Queria falar da festa dos 60 anos do nosso amigo comum, mas também não deu tempo. Ninguém tem mais tempo. Penso nos suicidas. Se alguém chegasse na hora e impedisse a queda ,ou tirasse a arma da mão, ou servisse uma água com açúcar, ou chamasse a emergência antes do surto, ligasse a televisão no Sílvio Santos que este, ah , sempre vem aí, se prestasse atenção no olhar de quem pede socorro... mas ninguém tem tempo.
Assunto é o que não me falta, não precisa nem prestar muita atenção, leia-me sem muito cuidado . Também não tenho tempo de ficar aqui escrevendo, quero ler o jornal de hoje, de leve, só os títulos, passar os olhos numa página pelo menos dos dois livros da hora. Um , é claro, "Minutos de sabedoria". Abrir aleatóriamente uma página e acreditar ... no momento de aflição dominical.
Ouvir só uma ou duas faixas do LP que me faz lembrar você.É o que há.
Ainda estou ontem, num clube à beira do mar, amigos de quatro décadas, ex-amores com suas eternas companheiras, que escolheram seguir à risca o velho e bom "na saúde e na doença", mesmo que a doença deles fosse a "traição", o que não relevei em amor nenhum.
Por dentro o tempo congelou cada episódio , cada amor vivido , os bons e os maus. Amor bom é amor morto. Principalmente os bandidos, os "fora da lei " dos homens, os de samba-canção,os que me deixavam sozinha antes do amanhecer mas providenciavam um bilhetinho que ainda os guardo. Os que me fizeram "aquela uma ", mas com o maior orgulho . Amei sim e não esqueci o seu nome, não estou nem aí mas não sou mais "aquela". Dos amores só escolhi a saúde , não deixei passar o sapo na garganta, não enxuguei a lágrima nem calei o queixume. De tudo sempre quis viver só a ventura , me encharcar nos teus beijos, arder na febre do calor que eras , pular de olhos fechados na piscina dos seus braços ( que não sabia vazia), escrever poemas e cartas ,enviar com mechas de meu cabelo claro- castanho que era. Guardar sua camisa escondido para vestí-la na hora da ausência.
Sempre hei de esperar pelo amor à meia-luz, minha camisola será sempre a do dia, e o próximo amor será o dono de tudo, do meu já não tão divino conteúdo. O que nunca consegui foi ocultar a paixão desmesurada por ele , esse tal sujeito - o sentimento - mais do que o objeto sou absurdamente apaixonada pelo amor. Mesmo que os amores de ontem me olhem alhures ou sorrateiros .Sem caminho do meio ,em qualquer margem,começaria tudo outra vez ... a vitrola ainda toca aquela música que dançamos tantas vezes ... a sua voz me acalmando. Mas tudo sempre acabava em dois para lá e eu para cá.
O melhor amor é sempre o penúltimo , e se ele não existe , invento . É o que faço agora. Crio e destruo sempre hoje, nunca deixo para depois.

Dayse Mary de Andrade janeiro de 2010.

--
Visite e siga meu blog , você vai gostar : www.poesiaempano.blogspot.com